汾阳市-Natal

Jia Zhang-Ke

Há pouco mais de um mês desde que o Cineclube Natal, em parceria com a Aliança Francesa, fez uma escolha acertadíssima ao optar por exibir no auditório da escola de idiomas o filme ‘Plataforma’, do diretor chinês Jia Zhang-Ke. Digo que a escolha foi certeira porque uma semana antes, um dos cinemas da cidade havia exibido em sua sessão de arte o documentário ‘Inútil’, do mesmo diretor. Natal, então, foi prestigiada com a exibição de dois filmes de difícil acesso, realizados por um dos diretores da 6ª geração chinesa mais elogiados e aclamados mundialmente.

Jia Zhang-Ke ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2006 com o ótimo ‘Em Busca da Vida’ e desde então tem emplacado pelo menos um filme por ano em algum dos festivais de cinema mais importantes (Cannes, Veneza), seja em competição, mostras paralelas ou simplesmente em exibições especiais. Em 2007 veio ao Brasil para uma retrospectiva de sua carreira na 31ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. No início deste ano, o jornal O Globo o definiu sabiamente como “um cronista dos efeitos da globalização (em especial, a ânsia pelo enriquecimento) sobre sua pátria.”.

Não é novidade nem a primeira vez que declaro aqui meu fascínio pelo cinama asiático, chinês de preferência. Nos filmes de Jia Zhang-Ke encontro uma realidade quase crua de um país gigante e em muitos aspectos, obviamente, desconhecido por mim. Assistir à qualquer um de seus filmes, por mais lentos e longos que possam ser, é desvendar mais e mais sobre a China. É como acrescentar verbetes enciclopédicos sobre o país em minha mente ou avançar para um terreno, até então impenetrável, de um game de aventura. Um prazer que não compartilho com muitos amigos cinéfilos e, aparentemente, com os cidadãos natalenses também não.

Inútil

Inicialmente a sessão de ‘Inútil’ me surpreendeu com a quantidade de pessoas presentes na sala – metade cheia, exercendo o otimistmo – entretanto, aos poucos uns e outros deixaram o local no meio do filme, desta vez não para o meu espanto. ‘Inútil’ é um filme um tanto difícil para ser visto sem que se saiba previamente o que vai ser mostrado e/ou como. Trata-se de um documentário sobre os diferentes setores da indústria têxtil chinesa e como funciona a moda no país. Um bom filme, mas com algumas falhas de conexão entre os atos que o deixaram um pouco solto, com um miolo interessante, focado na personalidade e na vida da estilista Ma Ke – ao meu ver, objeto interessante o suficiente para sustentar todo o documentário -, mas um pouco enfadonho no início e principalmente no fim, quando o diretor aborda novamente a precariedade da atividade mineradora chinesa, considerada a segunda profissão mais perigosa do mundo. Um tema quase fetiche para o autor.

Acompanhado de dois amigos que, apesar das falhas, apreciaram o filme tanto quanto eu, saí satisfeito da sessão e contente por ter tido a oportunidade de assistí-lo no cinema. Porém, não tão contente com a possibilidade de assistir ‘Plataforma’ na semana seguinte, já que o longa não foi lançado oficialmente no Brasil e não há nos confins do mundo virtual uma cópia sequer. Sei bem porque eu já vinha buscando o filme há anos. Os longas exibidos nas sessões conjuntas do CCN com a Aliança Francesa são disponibilizados pelo Ministério das Relações Exteriores da França em arquivos para download protegidos. Ou seja, uma oportunidade única. Porém, prestigiada por poucos. Se não me falha a memória, menos de 10 pessoas, contando com o diretor da Aliança e membros do CCN, presenciaram a exibição de ‘Plataforma’. Para mim, um susto. Não sei o que há com os cinéfilos dessa cidade.

Plataforma

‘Plataforma’ mostra, em suas quase 2 horas e 40 minutos de duração, um grupo de jovens que fazem parte de uma companhia artística financiada pelo partido comunista durante a década de 1980. O filme retrata muito bem a repressão ditatorial, a decadência do sistema governamental chinês naquela época e, consequentemente, a decadência do grupo, que disseminava as idéias do partido em suas perfomances e sofre, passando inclusive por privatizações, quando o país passa ceder à estratégias capitalistas.

Em meio a todas as mudanças sociais e culturais que envolvem esse processo de abertura econômica, como pano de fundo – não tão fundo assim – está lá o paupérrimo e remoto interior da China. A provincia onde vivem os personagens principais é, inclusive, a mesma onde o diretor nasceu. Jia Zhang-Ke filma Fenyang (汾阳市) com ares de fim do mundo. Como se, geograficamente, não houvesse mais nada além daquela cidade onde se cavam e tapam os mesmos buracos, nada muda e o tempo parece não passar. Semelhante ao que, ao menos culturalmente, parece acontecer com Natal. Saúdo, assim,  instituções como o CCN (recém-reconhecido como entidade de utilidade pública municipal e estadual) que tentam mudar esse painel.

A Videofilmes, produtora de Walter Salles, em parceria com a Mostra, planeja lançar em DVD uma coleção com todas os filmes de ficção dirigidos por Jia Zhang-Ke, à exceção de ‘Em Busca da Vida’, lançado no Brasil pela Califórnia Filmes. Espero que issso aconteça logo e que os DVD’s cheguem a Natal, para que aqui percebam a importância desse diretor chinês e para que, enfim, possa compartilhar o prazer de ver e discutir seus filmes com as pessoas ao meu redor.

3 Comentários»

  Fernanda Matos wrote @

Parece coerente ou paradoxal que os filmes dele abordem a temática da globalização e que as distribuidoras não estejam ligadas na divulgação desses filmes?
Ele ou os filmes dele sofre(ra)m algum tipo de censura por parte do governo chinês?

  Vítor wrote @

Definitivamente paradoxal, Fer. Bem colocado!

Sobre a censura: li que os 3 primeiros filmes dele foram proibidos em território chinês pq, segundo o órgão que julgava, não contavam histórias alegres. Mas desde 2004 o governo chinês deu uma aliviada na censura e os filmes dele passaram a ser lançados por vias legais.

a ilustrada falou sobre isso no caderno: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0401200918.htm. Espero que consiga ler.

  Fernanda Matos wrote @

Brigada, Thiago! Consegui ver sim! Obrigada!


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