Igual a Tudo na Vida

anything else

Outro dia minha irmã lembrou de mim enquanto lia um livro de crônicas da Martha Medeiros, colunista d’O Globo, chamado ‘Coisas da Vida’ (2003). Cinéfila e fã confessa de Woody Allen, Martha já dedicou várias de suas crônicas ao autor e suas obras. Nessa específica, ao filme ‘Igual a Tudo na Vida’, considerado um dos mais fracos da carreira do diretor, mas, ainda assim, apreciado pela autora e também por mim.

Mesmo tendo ciência de que certos filmes realmente não são lá grandes coisas, às vezes me deixo levar por outros fatores, além do que me foi mostrado na tela, e acabo guardando um bom sentimento com relação a algumas obras. No caso de ‘Igual a Tudo na Vida’, escolhido na locadora por ser o único do Woody em comum, não visto por quatro amigos, me deixei levar pela alegria de assistir à um filme divertido com pessoas queridas e em sintonia, rindo na mesma intensidade das mesmas piadas e se deixando afetar pelas mesmas citações life changing típicas do autor e presentes até nos longas menos importantes de sua vasta filmografia.

Ainda devo aqui no blog algo mais completo e de minha autoria sobre Woody Allen, mas, por enquanto, os deixo com a tal crônica – bastante sensível e particularmente tocante – sobre ‘Igual a Tudo na Vida’, que me fez pensar na mistura de fatores que se combinam na mente de cada um para que, afinal, se possa apreciar um filme.

Dar-se Alta

Nada como não ter grandes esperanças para também não ter grandes frustrações. Todos diziam que o novo filme do Woody Allen era fraco e repetitivo, mas sempre acreditei que um fraco Woody Allen ainda é melhor do que muita coisa considerada boa por aí. Então lá fui eu para o cinema conferir ‘Igual a Tudo na Vida’ e, não sei se devido à baixa expectativa ou se ao meu entusiasmo incondicional pelo cineasta, saí mais do que satisfeita: não considerei o filme fraco coisa nenhuma.

Fraco achei o ator protagonista. Inexpressivo. Quase comprometedor. Fora isso, foi uma delícia ver Woody Allen jogar a toalha, reconhecer que a busca pelo sentido da vida é uma tarefa cansativa e infrutífera e que todo mundo vive as mesmas angústias, do intelectual ao motorista de táxi. Extra, extra! Woody Allen se deu alta!

É verdade que ‘Igual a Tudo na Vida’ remete a situações já mostradas em seus outros filmes, mas era este mesmo o propósito. Woody Allen faz o papel de um escritor veterano que dá dicas para um escritor amador, que não passa dele mesmo, anos antes. Não foi preciso escalar para o papel alguém com semelhanças físicas e os mesmos trejeitos: a angústia existencial do jovem Falk basta para identificá-lo como um Woody Allen Junior em busca de libertação. E o que é libertação? Fala o veterano: “Quando alguém lhe der um conselho, você diga que é uma excelente idéia, mas depois faça apenas o que quiser”. Tem lógica. Quem é que pode saber o que se passa dentro de nós? Não compensa preservar relações por causa de culpa, ficar imobilizado, temer conseqüências. Vá lá e faça o que tem que ser feito. Sozinho. Porque é sozinho que estamos todos, afinal.

Ou seja, nada que Woody Allen já não venha há anos discutindo em sua obra, mas agora tudo me pareceu mais leve e menos intelectualizado, até o restaurante que Allen costuma usar como locação mudou, sai o abafado Elaine’s, entra o arejado Isabella’s.

É claro que os filmes da fase neura eram mais ricos, é claro que uma vida de questionamentos tem mais consistência do que uma vida resignada, e é claro que o Elaine’s tem alma e o Isabella’s não. Mas a passagem dos anos e a proximidade da morte reduz bastante este orgulho que temos em ser profundos e diferenciados.

Todos as criaturas do mundo estão no mesmo barco procurando amor, sexo, reconhecimento, segurança, justiça e liberdade. Algumas coisas iremos conquistar e outras não, e pouco adianta deitar falação porque seremos para sempre assim: sonhadores, atrapalhados e contraditórios. Jamais teremos domínio sobre os acontecimentos. A sutil diferença é que, se em seus filmes anteriores Woody Allen parecia dizer “não há cura”, agora ele parece dizer “não há doença”.

Eis a compreensão da natureza humana, acrescentada por uma visão bem-humorada e madura do que nos foi tocado viver. Leva-se tempo para aprender a não dramatizar demais as situações.

Dar-se alta é reconhecer, com alívio, que o que parecia doença era apenas uma ansiedade natural diante do desconhecido. Só quando a gente percebe que o desconhecido permanecerá para sempre desconhecido é que a gente relaxa.

Martha Medeiros

5 Comentários»

  Tati wrote @

Mas acho engraçado dizerem que Woody se tornou repetitivo. Oras, e por acaso os temas e as “neuras” dele são assunto que se esgotam? Alguém achou então o sentido da vida? Além de 42, é claro. Ainda não vi esse filme aí. Ele joga a toalha, então? Pode até ser por agora, mas eu duvido. Daqui a pouco ele surge de novo com seus eternos questionamentos, pobre judeuzinho atormentado. Amo².

  Vítor wrote @

Tadsh, ele não se rendeu não! Inclusive o casal principal + Woody Allen estão bem neuróticos nesse filme. Não sei exatamente o que fez a Martha Medeiros pensar diferente. Nesse ponto discordamos.

Pra mim ele largou a neura mesmo em Match Point. Ali sim…

Pobre judeuzinho atormentado! Hehe!

  Mateus wrote @

vi o filme e não gostei. creio inclusive que foi o primeiro de woody allen que assisti.

mas depois de ler confesso que preciso ver de novo, novas perspectivas sempre são bem-vindas, e o cinema de woody allen sempre acaba trazendo um pouco desse olhar estranho sobre coisas comuns.

saudade de ver filmes (ou seriados) com vossa mercê!

  cris wrote @

i’m not a movie person so what am I doing here?

só vim pra comentar a última frase, sobre combinação de fatores na mente de cada um que faz com que se aprecie um filme ou não: eu gostava de filmes até a época em que passei a perder noites inteiras e consecutivas com amigos para eles! depois de uma semana de trabalho e aulas nos reuníamos e eu não podia mais conversar porque wagner (principalmente, mas não só hehe) fazia shhhhh e todos concordavam. I mean that.

Now I only like what I always liked as a kid: monsters, explosions, city destructions and people in panic. This way I don’t feel like talking when I’m watching (just screaming WOW and jumping in the bed) and, of course, it blows my miiiiiiiiiiind. groaaaaaarrrr

e finalmente: vi dark knight ontem. RICH!

  Caroline wrote @

Ok, volver o filme só pra ler aqui e comentar. Esse é um dos poucos woodies que eu não vi. Mas vai demorar um pouco, obrigada, beijos


Deixe um comentário